A Sirigaita é uma associação cultural situada em Lisboa, no Intendente, no início da rua dos Anjos. Muitos colectivos autónomos – feministas, anti-racistas, anti-fascistas, ambientalistas, LGBTQ+, grupos de apoio mútuo, grupos artísticos – ali reúnem, debatem, fazem assembleias e preparam acções. É ainda a sede da associação Habita, que luta pelo direito à habitação. Neste lugar onde também se pode beber um copo já houve centenas de concertos, exposições, debates, filmes, performances. Ali se encontra uma cooperativa de consumo de produtos biológicos (a Bela Rama), ensaia um grupo de teatro comunitário e funciona uma pequena livraria. Quando em Março a Sirigaita foi obrigada a fechar portas, por causa da pandemia, ali surgiu a Rádio Gabriela. Lugar de convívio e de confluência de energias várias, políticas, sociais e artísticas, é um espaço que se assume como feminista e livre de apartheid israelita. A propósito do seu segundo aniversário, a Catarina, uma das Sirigaitas, escreveu este texto:
É o aniversário da Sirigaita e não consigo decidir se é a celebrar que o devemos passar.
Celebrar, sim, esta casa que se construiu colectivamente. Este espaço de cultura, de luta, de festa, de solidariedade, de convívio, de olhar crítico, de encontro, de livros, de pensar e fazer em conjunto, de experimentar sem olhar ao lucro, de amizades, de arte, de escuta, de comunidade no centro da cidade.
Mas sem ilusões: este é um espaço quase permanentemente em risco, porque está inserido numa zona de rápida gentrificação, porque as autoridades locais não têm interesse em proteger, quanto mais em apoiar as colectividades e associações de forma a que consigam manter-se em actividade, e deixa-as fechar para que hotéis e empreendimentos de luxo nasçam onde elas existiam. Mas também porque as pessoas à nossa volta têm as vidas fragmentadas e têm no seu viver uma luta tão grande que lhes resta pouca energia para construirem a associação cultural de que querem usufruir. Assinalar dois anos de Sirigaita é assinalar dois anos de luta, dura e alegre, tirada a ferros mas fecunda.
Se, quando abrimos portas, em 2018, sabíamos que íamos ser um lugar querido, não imaginávamos a procura nem a quantidade de solicitações que íamos ter. É uma ilusão pensarmos que as nossas ideias não precisam de uma casa, que sobrevivem em encontros online ou nos nossos quartos em casas partilhadas. É em lugares como a Sirigaita que se ensaia, que se reúne, que se planifica e que se apresenta trabalho que não quer esperar por espaço no mercado.
Este é o nosso lugar, um lugar contra a lógica e ideologia regentes, que experimenta outras formas de organização, que se baseia nos valores da solidariedade e da auto-gestão. Mas que não consegue escapar totalmente a um sistema opressor que não olha a meios para protecção da propriedade privada e prefere que esta esteja morta mas a render do que viva se não der lucro.
A Sirigaita não paga renda desde Março. Não paga porque não tem como pagar. De momento estamos protegidxs por uma lei que nos permite acumular dívida até um momento posterior em que, tudo indica, continuaremos a não ter como pagar. A certa altura perguntámo-nos se queríamos pedir ajuda financeira às e aos nossxs sócixs, mas achámos que, numa altura em que tanta gente à nossa volta ficou sem chão, não era prioritário pagar aos senhorios. Fizemos bem. Mas teremos uma luta e pêras pela frente, ou uma oportunidade para pôr um pauzinho na engrenagem. Esta casa quer-se, como todas as casas, por muito tempo. E em breve, cheira-me, vamos ter de fazer valer este desejo com a nossa força.
Que essa força cresça! Que a Sirigaita seja a casa de cada vez mais gente, de cada vez mais ideias e que seja construída sempre por mais gente com ideias. Que continue por muitos anos a evitar os tiques do mercado e dos grupinhos fechados, a dar lugar às lutas e às expressões que se constroem nesta cidade. E que um dia ganhe janelas, para respirarmos melhor em conjunto!
Catarina Carvalho