“demarcação de língua”

Um poema de Douglas Pompeu sobre a demarcação das terras indígenas no Brasil.

demarcação de língua

na minha língua se diz terra
como quem diz casa
como quem diz ventre volta
ou fica como quem diz nós
ou como se andar descalço
fosse dar as mãos e nada
entre o chão e o corpo
se encontrasse fora do lugar

na minha terra se diz língua  

como quem diz fala dis-

tende uma palavra ao pé  

do ouvido e na boca dissol- 

vesse açúcar seu arbusto  

dispensasse as consoantes  

como se não fosse áspero  

o gosto de que falhamos 

na minha língua se diz  

língua como se não houvesse  

ossos por trás de sua boca  

a carne fosse apenas hábito  

dos sentidos como se ainda  

fosse possível não morder  

a ideia pronta que saliva  

ansiosa em sua ponta

na minha terra se diz pois
terra como quem diz posse
petróleo divisa ou aduana
como se perfurasse o palato
à procura de um pássaro
raro e como se prende-lo
nas lâminas da língua
lhe desse enfim um nome



Douglas Pompeu é tradutor e escritor. Traduziu para o português a primeira seleção de poemas de Kurt Schwitters, Pra trás e pela frente primeiro (2018), assim como Variações sobre tonéis de chuva (2019) de Jan Wagner e Passeios com Robert Walser (2020) de Carl Seelig. Atualmente vive e Berlin, onde edita a revista alba (https://www.albamagazin.de) e trabalha em seu projeto Biografia de Fábrica. Uma de suas histórias foi publicada na coletânea Lingua Franca (Art In Flow, 2019) e seus poemas foram apresentados em leituras como Ex-Salón, Latinale e no Poesiefestival Berlin de 2019. Mantém o blog: http://glaspo.tumblr.com.       


Publicado por Rádio Gabriela

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