«Mas qual quê! Os carros passam numa bicha contínua sob a chuva, abrandam, quase param, mas parar não é com eles. Nenhum se digna dar-te tempo para entrares na bicha. Tens o pisca-pisca a funcionar. Desces o vidro e, apesar da chuva, estendes o braço numa ordem, numa súplica. Espera lá! Param tanto como tu pararias. E, além dos carros, nada interessados em que queiras desparcar, ou não, os malvados peões pulam por toda a parte de guarda-chuva em riste, passam-te por trás e pela frente, é um inferno. E tem de se gramar isto assim, não há remédio. Senão «alto lá!», apitos, que atropelaste um homem, uma criança, o raio que os parta a todos.»
Leitura do conto de Mário Dionísio «O ponto de vista», escrito em 1980, que nos diz ainda
tanto acerca do «cada um por si», que piora na selva das cidades. Este programa feito para
uma sessão Ouvido de Tísico em Outubro de 2019, na Casa da Achada – Centro Mário Dionísio.