“Mantém-se a luta por uma sociedade sem dominação”
Mário Rui Pinto, anarquista, editor da Barricada de Livros, esteve à conversa com a Rádio Gabriela a propósito do 25 de Abril.
Tu eras um puto na altura, não? O que significou para ti?
No dia do 25 Abril de 1974 tinha 19 anos e frequentava a faculdade de Economia da Universidade de Lisboa. Já andava metido na chamada “contestação estudantil” ao regime e já tinha sido chamado à PIDE. Para mim, foi o fim de um regime anquilosado que impedia a liberdade individual e colectiva. Era o fim de um país cinzento e atrasado.
E para A Batalha, o que significou? Que consequências teve?
A Batalha não era publicada desde a década de 40. Reapareceu em Setembro de 1974 pela acção sobretudo de um grupo de velhos e velhas anarco-sindicalistas. Gente de muita fibra, muitos deles sobreviventes do Tarrafal e de outras prisões. Aprendi muito com estas pessoas. Devo-lhes muito do que sou actualmente. Depois começou a chegar gente nova à redacção. Para estas pessoas foi o culminar de toda uma luta de muitos (demasiados) anos. Eles tinham uma noção mais real do que eu do que significava o fim do fascismo.
O 25 de Abril de 1974 é importante hoje para um anarquista? Porquê?
É muito difícil responder a isso. É importante porque foi o fim de uma ditadura. O país tornou-se muito mais livre. Desapareceram a Censura, a PIDE, toda uma série de organizações fascistóides, como a Mocidade Portuguesa ou a Legião Portuguesa, etc. Mas permanece o sentido crítico. O facto é que aquele regime já não interessava a ninguém, nem mesmo à burguesia ou aos capitalistas que o tinham promovido 48 anos antes. Naquela altura, o regime fascista, com o seu isolacionismo e obscurantismo, já não interessava aos capitalistas mais inteligentes que queriam a adesão à CEE (Comunidade Económica Europeia, nome anterior da actual União Europeia) para poderem usufruir das “belezas do mercado europeu”. Os condicionalismos à “livre iniciativa” eram muitos e alguns capitalistas, como o Chapalimaud, foram grandes defensores do golpe militar e da abertura à Europa. Obviamente que ao princípio a coisa ia-lhes saindo furada, devido à explosão de iniciativas populares verdadeiramente libertárias, mas corrigiram logo com o 25 Novembro de 1975 e a integração do país na normalidade democrática ocidental. O 25 Abril para mim, como anarquista, foi importante, mas mantém-se a luta por uma sociedade mais justa, igualitária, sem Estado ou dominação. E isto não é possível numa democracia representativa em pleno capitalismo.
Como vives tu a data?
Vivo a data normalmente. Algumas recordações, mas não mais do que isso, sobretudo porque há uma completa apropriação estatal. Dantes, os anarquistas faziam uma manifestação à parte que chegou a juntar largas centenas de pessoas. Mas uma acabou muito mal, com uma verdadeira batalha campal no Chiado com a bófia, com uma data de presos da nossa parte. Depois disso, a coisa enfraqueceu.
Tu também és editor. Tens leituras que recomendes?
Há um livro muito importante sobre o 25 Abril, escrito por um estrangeiro que vivia cá na altura. Até há pouco tempo só estava em inglês, mas foi traduzido pela Antígona: Phil Mailer, A Revolução Impossível? É um calhamaço, mas tem poucas imprecisões históricas. Talvez seja o livro mais completo sobre esse acontecimento.